Thursday, April 29, 2004

O Zé

«Olha o menino...» diz o Senhor Zé a quem entra da porta da rua directamente sobre o balcão dos grelhados. «Então é preciso um ano para cá vir?». Os melhores nacos de vitela de Lisboa e as melhores batatas fritas do país estão lá, confiados desde o antigo regime à melhor cozinheira de Lisboa. «Então vai ser um Pêra Manca?». A carta tem vinhos que se tornaram antigos. «Ai não?». Os clientes conhecidos têm tratamento familiar. «Quer desconto?». E a meio da posta de garoupa, a pergunta agendada: «O vinho chega?». Entretanto, as últimas batatas da travessa. «Vá, até à próxima, dê lá cumprimentos ao outro senhor...»

Wednesday, April 28, 2004

O Palácio

Poucos são os privilegiados em partilhar a mesa sobranceira às vinhas da Bacalhoa para almoçar. Ainda mal tinha começado a beber o espumante do outro palácio, o de Loridos, e tentava recordar a data da última visita, quando sem especial propósito, um dos anfitriões me falou no Petit Verdot. Foi feito nos dois anos que passaram mas não é ainda hoje passível de venda. Apenas 600 litros. É novidade nacional. Aliás, lá fora é também sempre uma originalidade. O de 2003, recém retirado do casco traz à memória a prova do Griñon, que continua a ser a referência ibérica para esta produção monovarietal. Depois na varanda, na companhia da família e com as doze fiadas da casta em frente, serviram-se os outros vinhos da casa com o almoço propriamente dito. Terminou com doce conventual e Moscatel Roxo de 92, que não se consegue encontrar em lado nenhum. Quanto ao P.V., teremos que esperar que a lei mude e a sorte favoreça esta audácia ou que vá para a praça tendo no rótulo apenas estas mesmas iniciais. «To live outside the law, you must be honest...» (já dizia o Bob Dilan?).

Tuesday, April 27, 2004

Saraiva's

Neste antigo clube de sportinguistas, serve-se comida tradicional para os clientes costumeiros. A massada de garoupa do almoço era bom exemplo do que se pode fazer de muito bom sem preconceitos. Com picante, torna-se única. O pessoal assegura aos conhecidos que a receita é a mesma do arroz de garoupa, mas com massa. Também o Vinha Grande de 2000 que acompanhava respeita a mesma tradição de boa qualidade à maneira antiga. E também sem presunções. Surpresa é a nova colecção de cervejas de várias origens que agora o Salvador tem à venda. Parece que estão lá mais para uma merenda ou visita fora de horas, e ignora-se se os rotineiros comensais alguma vez se aventurarão por esses campos. Para mim, será já na próxima oportunidade, nem que não seja para recordar as Duvel que marcaram a abertura do ano lectivo na minha passagem por Bruges. Não vai perder pela demora, além do mais porque ficou lá aberta a nossa garrafa de Vintage de 91 da Ramos Pinto. Que, tal como a memória das Duvel, já arrasta o peso dos anos.

Sunday, April 25, 2004

Picanha

Que rico dia de primavera! Não faltou o calor nem a companhia dos amigos à hora do almoço para comer picanha com saladas frescas. E a acompanhar? Cerveja. Porque o dia é revolucionário que baste. Tudo com peso e medida, em tabuleiros. Muito popular.

Friday, April 23, 2004

Almoço de Páscoa em Praga

Não lembraria ao diabo, almoçar em Praga no Ucerta no Domingo de Páscoa. Champanhe da Morávia, comida e vinhos de que não há memória. Repetição para jantar e depois por diversas vezes em companhias feitas e desfeitas, até com a presença do Havel. Histórias de bonés e chapéus, tudo com uma filtragem a sépia ou a preto e branco, em slides que tocavam a todos. Antes tinhamos falhado uma Missa de Mozart na Catedral. Foi em 1988, um ano antes da queda do Muro. Agora, o restaurante tem página web e dentro de uma semana fará parte da Europa do lado de cá.

Tuesday, April 20, 2004

Tous les matins du monde

Depois de um artigo elogioso no DN, tocou-me um excelente almoço no 100 Maneiras, a propósito de um aniversário amigo. É o mais novo dos novíssimos e candidato a notável de Cascais, com excelente localização sobre a praia dos pescadores. Os promotores são também novos e experimentadores. Não é para qualquer um arriscar espumas em desafio ao Mestre catalão Adriá. Nem para qualquer comensal apreciá-las. Serviram o melhor foie-gras confitado com pera e redução de moscatel de que me lembro. Quanto ao vinho - e por estas e outras, a conta deve ter sido consequentemente pesada - limito-me aqui a registar que bebemos metade do stock da casa da Homenagem ao António Carqueijeiro de 1999 do Bento dos Santos ... Que banalização! Um disparate. Aliás, para quem abriu portas há um mês, com mais umas visitas destas, a lista de vinhos perde a estrela convidada. Depois, tudo terminou com um Xerez oloroso de 20 anos a acompanhar a sobremesa. Mesmo sem parecer, o resto da pouca tarde que restou foi a pensar no agradável que seria dormir a sesta à sombra das interpretações do Jordi Savall.

Thursday, April 15, 2004

«So far so good»

Foi preciso regressar à costa de África para conhecer as regras de funcionamento do Royal Ocean Racing Club, a gravata com cavalos marinhos dos sócios deste clube de St. James, as pressões dos ventos e de como se navega em regata. Também para entender o cricket, que se joga em cinco dias com intervalos da uma às duas da tarde para almoço e às quatro e meia para o chá. E que um jogador das West Indies acabou de bater os recordes relembrados com quatrocentos pontos contra a Inglaterra. E também que os supremos de garoupa podem ir muito bem com o molho doce preparado com frutas tropicais e que no Coconuts se vê o por do sol em descida a pique sobre o horizonte. E ainda que aquilo que parece brilhar com mais intensidade no céu escuro a Sudoeste não é nenhuma estrela ou planeta mas apenas a estação espacial internacional.

Thursday, April 08, 2004

Tino Fandiño

Nas cercanias de Ourense, e ao lado da Casa do Concello de Allariz, serve o Celestino Seara de seu nome boas refeições segundo o ritual galego. Facilmente se perde quem desconhece o caminho medieval empredado pelo embrenhado conjunto medieval digno de visita. Depois de entrar numa casa que também ela será de origem medieva, recebe o Tino com o acolhimento usual dos nossos compatriotas do norte da Península. Na mesa, a louça branca e azul de Sargadelos, que está lá posta para quem a reconhece. É tudo bom até ao fim, sem poder escolher ou destacar nada pior. Até o vinho a bons preços, diz quem vem da capital. Voltamos depois de amanhã, com mais convivas, e esperamos que o Comandantesim, porque General era o pai Fandiño») nos receba bem muitas vezes.

Sunday, April 04, 2004

O Escanção

Está na Fortaleza do Guincho o melhor sommelier nacional. Além do mais, é acolhedor e simpaticamente bom conversador. Percebe do casamento da gastronomia com os vinhos. E foi precisamente o casamento que nos levou a lá jantar. Fazia um ano da última visita, e desta também foi para comemorar o aniversário. Entretanto, vários prémios e menções respeitáveis distinguiram o local, a cozinha e o serviço. E por cima de todos, o Manuel Moreira. O menu de dégustation não é a mais nem a menos. Tem novidades que chegue, requinte de apresentação e é sofisticado para merecer as entrelinhas da Revista de Vinhos que entendeu não repetir prémios do ano anterior.

Thursday, April 01, 2004

«O Amuado»

Chegando pela manhã ao escritório, lá estava ele em cima da secretária, apresentado como convite. Assinado e datado de 1892, o quadro de Souza Pinto que também tem por título «Chegado Tarde» marcou o valor mais alto de uma pintura portuguesa na casa leiloeira que agora promove a exposição do autor no Porto. Também me marcou a mim, que assisti à sua venda nesse mesmo leilão e fixei a expressão do miúdo à entrada da casa de aldeia em cena de amuo. Quem veja com os próprios olhos o quadro, percebe. É enorme de tamanho, de sentimentos e até de nome. Não há maior inocência do que a de uma criança amuada.